Elasticidades da demanda

Rafael Bressan

Elasticidades da demanda

Introdução

  • Até agora não demos nenhuma atenção à maneira como as variáveis usadas em microeconomia são medidas.

  • Talvez a consequência mais importante de escolher unidades de mensuração é que as derivadas parciais geralmente usadas para resumir comportamentos econômicos refletirão essas unidades.

  • Por exemplo, se \(q\) representa a quantidade de gasolina demandada por todos os consumidores brasileiros durante um determinado ano (medida em bilhões de galões) e \(p\) representa o preço em reais de cada galão, então, \(\partial q/\partial p\) medirá a variação na demanda (em bilhões de galões por ano) para uma mudança de um real por galão no preço.

  • O tamanho numérico dessa derivada depende de como \(p\) e \(q\) são medidos.

Introdução

  • A decisão de medir o consumo em milhões de galões por ano multiplicaria o tamanho da derivada por \(1.000\), enquanto a decisão de medir o preço em centavos por galão o reduziria por um fator de \(100\).

  • A dependência do tamanho numérico de derivadas parciais nas unidades de medição utilizadas impõe um problema.

  • Embora muitas teorias econômicas façam predições sobre o sinal (direção) de derivadas parciais, quaisquer previsões sobre a magnitude numérica de tais derivadas seria contingente em como escolhemos medir as variáveis.

  • Fazer comparações entre estudos poderia ser praticamente impossível, especialmente dada a grande variedade de sistemas de mensuração no mundo.

  • Por esse motivo, adotamos uma maneira diferente e livre de unidades de medida para medir impactos quantitativos.

Introdução

  • Usamos elasticidades para resumir praticamente todos os impactos quantitativos que nos interessam.

  • Como essas medições se concentram no efeito proporcional de uma mudança em uma variável sobre outra, elas são livres de unidades de medida - as unidades são “canceladas” quando a elasticidade é calculada.

Elasticidade

Seja \(y\) uma função de \(x\) - \(y(x)\) - então, a elasticidade de \(y\) com relação a \(x\) (\(e_{y,x}\)) é definida como: \[e_{y,x} \equiv \frac{\Delta y/y}{\Delta x/x} = \frac{\Delta y}{\Delta x} \frac{x}{y} = \frac{dy(x)}{dx}\frac{x}{y}. \qquad(1)\]

Elasticidades da demanda Marshalliana

Elasticidades da demanda Marshalliana

Seja \(x(p_x, p_y,I)\) uma função de demanda Marshalliana, temos as seguintes definições:

  • Elasticidade-preço da demanda (\(e_{x,p_x}\)). mede a variação proporcional na quantidade demandada em resposta a uma variação proporcional no próprio preço de um bem: \[e_{x,p_x} \equiv \frac{\Delta x/x}{\Delta p_x/p_x} = \frac{\Delta x}{\Delta p_x}\frac{p_x}{x} = \frac{\partial x(p_x,p_y,I)}{\partial p_x}\frac{p_x}{x}. \qquad(2)\]

  • Elasticidade-renda da demanda (\(e_{x,I}\)). mede a variação proporcional na quantidade demandada em resposta a uma variação proporcional na renda: \[e_{x,I} \equiv \frac{\Delta x/x}{\Delta I/I} = \frac{\Delta x}{\Delta I}\frac{I}{x} = \frac{\partial x(p_x,p_y,I)}{\partial I}\frac{I}{x}. \qquad(3)\]

  • Elasticidade-preço cruzado da demanda (\(e_{x,p_y}\)). mede a variação proporcional na quantidade demandada de \(x\) em resposta a uma variação proporcional no preço de um outro bem: \[e_{x,p_y} \equiv \frac{\Delta x/x}{\Delta p_y/p_y} = \frac{\Delta x}{\Delta p_y}\frac{p_y}{x} = \frac{\partial x(p_x,p_y,I)}{\partial p_y}\frac{p_y}{x}. \qquad(4)\]

Elasticidade-preço da demanda

  • Além de prover uma maneira conveniente de resumir como as pessoas respondem às variações de preços, a elasticidade-preço da demanda é, também, um conceito central na teoria de como as firmas reagem às curvas de demanda que encontram.

  • Se \(e_{x,p_x} = -1\), variações em \(x\) e \(p_x\) são do mesmo tamanho proporcional - elasticidade unitária.

  • Se \(e_{x,p_x} < -1\), as variações nas quantidades são proporcionalmente maiores que as variações nos preços - demanda elástica.

  • Se \(e_{x,p_x} > -1\), as variações nas quantidades são proporcionalmente menores que as variações nos preços - demanda inelástica.

Elasticidade-preço e gasto total

  • A elasticidade-preço da demanda determina como variações no preço, ceteris paribus, afeta o gasto total em um bem: \[\frac{\partial (x p_x)}{\partial p_x} = p_x \frac{\partial x}{\partial p_x} + x = x(e_{x,p_x} + 1). \qquad(5)\]

    1. Se a demanda é inelástica, preço e gasto total movem-se na mesma direção. Esse é o caso, e.g., da demanda pela maioria dos produtos agrícolas. As variações nos preços de determinadas safras, decorrentes do clima, geralmente fazem com que o gasto total nessas safras se desloque na mesma direção.

    2. Se a demanda é elástica, as reações a uma variação de preço são tão grandes que o efeito sobre o gasto total é revertido.

    3. No caso de elasticidade unitária, o gasto total é constante, não importando como o preço varie.

Elasticidades-preço compensadas

Elasticidades-preço compensadas

Seja \(x^c(p_x, p_y,U)\) uma função de demanda compensada, temos as seguintes definições:*

  • Elasticidade-preço da demanda compensada (\(e_{x^c,p_x}\)). Mede a variação proporcional compensada na quantidade demandada em resposta a uma variação proporcional no próprio preço de um bem: \[e_{x^c,p_x} \equiv \frac{\Delta x^c/x^c}{\Delta p_x/p_x} = \frac{\Delta x^c}{\Delta p_x}\frac{p_x}{x^c} = \frac{\partial x^c(p_x,p_y,U)}{\partial p_x}\frac{p_x}{x^c}. \qquad(6)\]

  • Elasticidade-preço cruzado da demanda compensada (\(e_{x^c,p_y}\)). Mede a variação proporcional compensada na quantidade demandada em resposta a uma variação proporcional no preço de outro bem: \[e_{x^c,p_y} \equiv \frac{\Delta x^c/x^c}{\Delta p_y/p_y} = \frac{\Delta x^c}{\Delta p_y}\frac{p_y}{x^c} = \frac{\partial x^c(p_x,p_y,U)}{\partial p_y}\frac{p_y}{x}^c. \qquad(7)\]

Elasticidades-preço compensadas

  • Se essas elasticidades-preço compensadas diferem muito de suas equivalentes Marshallianas depende da importância dos efeitos renda na demanda global pelo bem \(x\).

  • Pela equação de Slutsky temos que: \[\frac{\partial x}{\partial p_x} = \frac{\partial x^c}{\partial p_x} - x \frac{\partial x}{\partial I}.\]

  • Portanto: \[e_{x,p_x} = \frac{p_x}{x}\frac{\partial x}{\partial p_x} = \frac{p_x}{x}\frac{\partial x^c}{\partial p_x} - \frac{p_x}{x}x\frac{\partial x}{\partial I} = e_{x^c,p_x} - s_xe_{x,I}, \qquad(8)\] onde \(s_x \equiv xp_x/I\) é a fração total da renda alocada na aquisição do bem \(x\).

Elasticidades-preço compensadas

  • A Equação 8 mostra que as elasticidades-preço da demanda compensada e não compensada serão semelhantes se verificarmos umas das duas condições a seguir:

    1. A porção da renda destinada ao bem \(x\), \(s_x\), for pequena.

    2. A elasticidade-renda da demanda para o bem \(x\), \(e_{x,I}\), for pequena.

  • Qualquer uma dessas duas condições reduzem a importância do efeito renda como componente da elasticidade-preço Marshalliana.

  • Se \(s_x\) é pequeno, o poder aquisitivo de um consumidor não será muito afetado por uma variação de preço.

  • Mesmo que um bem tenha um peso grande sobre o orçamento, se a demanda deste bem não for muito reativa às variações no poder de compra, o efeito renda terá uma influência relativamente pequena sobre a elasticidade da demanda.

  • Portanto, em muitas situações podemos utilizar os dois conceitos - situações em que os efeitos substituição constituem o componente mais importante das reações dos preços.

Relações entre as elasticidades da demanda

  • A homogeneidade das funções demanda pode ser expressa em termos de elasticidade.

  • Como qualquer aumento proporcional em todos os preços e renda deixa a quantidade demandada inalterada, a adição líquida de todas as elasticidades-preço com a elasticidade-renda para um bem particular devem somar zero.

  • Pelo Teorema de Euler, obtemos a seguinte expressão: \[0 = p_x\frac{\partial x}{\partial p_x} + p_y \frac{\partial x}{\partial p_y} + I\frac{\partial x}{\partial I}. \qquad(9)\]

  • Dividindo a Equação 9 por \(x\), temos: \[0 = e_{x,p_x} + e_{x,p_y} + e_{x,I}. \qquad(10)\]

Homogeneidade

  • O resultado da Equação 10 mostra que as elasticidades da demanda para qualquer bem não podem seguir um padrão completamente flexível.

  • Elas devem exibir uma espécie de consistência interna que reflete a abordagem de maximização de utilidade na qual a teoria da demanda é baseada.

Agregação de Engel

  • A Lei de Engel nos diz que a fração da renda alocada em alimentação diminui à medida que a renda aumenta.

  • Em termos de elasticidade, a lei de Engel é uma afirmação da regularidade empírica de que a elasticidade-renda da demanda para alimento geralmente é inferior a 1.

  • Portanto, a elasticidade-renda de todos os itens não-alimentícios deve ser superior a 1.

  • Se um indivíduo tem um aumento em seu poder de compra, esperamos que os gastos com alimentação aumentem em uma proporção menor. Como essa renda deve ser gasta em outros bens, no total, esses outros gastos devem aumentar proporcionalmente mais rápido que a renda.

Agregação de Engel

  • Formalmente, podemos diferenciar a restrição orçamentária com relação à renda, mantendo os preços constantes: \[1 = p_x\frac{\partial x}{\partial I} + p_y\frac{\partial y}{\partial I}. \qquad(11)\]

  • Portanto: \[1 = p_x \frac{\partial x}{\partial I} \frac{xI}{xI} + p_y \frac{\partial y}{\partial I} \frac{yI}{yI} = s_x e_{x,I} + s_y e_{y,I}. \qquad(12)\]

  • A Equação 12 nos diz que a média ponderada das elasticidades-renda de todos os bens que uma pessoa adquire deve ser igual a 1.

Agregação de Engel

  • Se uma pessoa gastou um quarto de sua renda com alimentação, e a elasticidade-renda da demanda de alimentos for igual a 0,5, então, a elasticidade-renda da demanda para os demais gastos deve ser: \[\frac{[1 - 0,25\times 0,5]}{0,75} \approx 1,17.\]

  • Como alimentação é uma “necessidade” importante, todo o restante é, de certa forma, um “luxo”.

Agregação de Cournot

  • Economista do século XIX, Cournot estava interessado em saber como a variação em um único preço pode afetar a demanda para todos os bens.

  • Diferenciando a restrição orçamentária com relação a \(p_x\), temos: \[0 = p_x\frac{\partial x}{\partial p_x} + x + p_y\frac{\partial y}{\partial p_x}.\]

  • Multiplicando por \(p_x/I\): \[\begin{aligned} 0 &=& p_x\frac{\partial x}{\partial p_x} \frac{p_x}{I} \frac{x}{x} + x \frac{p_x}{I} + p_y\frac{\partial y}{\partial p_x} \frac{p_x}{I} \frac{y}{y} \\ &=& s_x e_{x,p_x} + s_x + s_y e_{y,p_x}. \end{aligned}\]

  • Portanto, o resultado final de Cournot é: \[s_x e_{x,p_x} + s_y e_{y,p_x} = -s_x. \qquad(13)\]

  • A restrição orçamentária impõe alguns limites sobre o grau em que a elasticidade-preço cruzada pode ser positiva.

Figura 1: Antoine Augustin Cournot (1801-1877). Fonte: Wikipedia.

Exercícios

Função utilidade do tipo Cobb-Douglas: \[U(x,y) = x^\alpha y^{1-\alpha}.\]

Função utilidade CES: \[U(x,y) = x^{0,5} + y^{0,5}.\]

Função utilidade CES: \[U(x,y) = -x^{-1} - y^{-1}.\]

Apêndice: Teorema de Euler

Teorema de Euler

Função homogênea

Seja \(f\) uma função de \(n\) variáveis reais definida em um domínio \(\mathcal{D}\).

O conjunto \(\mathcal{D}\) é um cone se sempre que \((x_1, x_2, \dots, x_n) \in \mathcal{D}\) e \(t>0\), também temos que \((tx_1, tx_2, \dots, tx_n) \in \mathcal{D}\).

Quando \(\mathcal{D}\) é um cone, dizemos que a função \(f\) é homogênea de grau \(k\) em \(\mathcal{D}\) se: \[f(tx_1, tx_2, \dots, tx_n) = t^kf(x_1, x_2, \dots, x_n), \qquad \forall t>0. \qquad(14)\]

Teorema de Euler

  • Uma propriedade útil de funções homogêneas pode ser obtida ao diferenciarmos a Equação 14 com relação ao fator de proporcionalidade, \(t\).

  • Com isso obtemos o teorema de Euler para funções homogêneas.

Figura 2: Leonhard Euler (1707-1783). Fonte: Wikipedia.

Teorema de Euler

Teorema de Euler

Seja \(f\) uma função diferenciável de \(n\) variáveis definida em um cone aberto \(\mathcal{D}\). Então, \(f\) é homogênea de grau \(k\) se, e somente se, a seguinte equação é válida para todo \((x_1, x_2, \dots, x_n) \in \mathcal{D}\): \[kf(x_1, x_2, \dots, x_n) = \sum_{i=1}^n x_i f_i(x_1, x_2, \dots, x_n), \qquad(15)\] onde \(f_i (x_1, \dots, x_n) = \frac{\partial f(x_1, \dots, x_n)}{\partial x_i}\).

Apêndice: Lei de Engel

Lei de Engel

  • A lei de Engel é uma relação econômica proposta pelo estatístico Ernst Engel em 1857.

Figura 3: Ernst Engel (1821, 1896). Fonte: Wikipedia.

Lei de Engel

  • A lei de Engel diz que um aumento na renda de uma família diminui a proporção da renda que é gasta em produtos alimentícios, mesmo que o total dos gastos com alimentação esteja aumentando.

  • Em outras palavras, a elasticidade-renda da demanda da alimentação está entre 0 e 1.

  • De acordo com a lei de Engel, famílias de baixa renda irão alocar uma fração de sua renda em alimentação muito maior do que famílias de níveis intermediários ou elevados de renda.

  • A lei de Engel pode ser usada como um indicador para padrões de vida em vários países. Para isso, uma medida chamada coeficiente de Engel é usada.

Lei de Engel

Figura 4: Lei de Engel. Fonte: Wikipedia.

📚 Bibliografia

NICHOLSON, W.; SNYDER C. Teoria microeconômica: Princípios básicos e aplicações. Cengage Learning Brasil, 2019. Disponível em: app.minhabiblioteca.com.br/books/9788522127030

VARIAN, H. R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Disponível em: app.minhabiblioteca.com.br/books/9788595155107 :::