Equação de Slutsky

Rafael Bressan

Curva de demanda individual

Derivação da curva de demanda individual

  • Para simplificar a análise, consideraremos o caso de apenas dois bens e, como visto anteriormente, a função de demanda Marshalliana para o bem \(x\) é dada por: \[x^* = x(p_x, p_y, I).\]

  • A curva de demanda derivada por essa função traz a relação entre \(x\) e \(p_x\), enquanto \(p_y\), \(I\) e a relação de preferências são mantidas constantes. Matematicamente:

\[x^* = x(p_x, \bar{p}_y, \bar{I}). \qquad(1)\]

Derivação da curva de demanda individual

Figura 1: Curva de demanda. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Derivação da curva de demanda individual

  • Na Figura 1 assumimos que as quantidades ótimas consumidas de \(x\) aumentam à medida que o preço \(p_x\) diminui.

  • Essa hipótese está de acordo com nossa conclusão geral de que, com exceção do caso observado pelo paradoxo de Giffen, \(\partial x/\partial p_x\) é negativa.

Curva de demanda individual

Uma curva de demanda individual mostra a relação entre o preço de um bem e a quantidade consumida deste mesmo bem por um indivíduo, assumindo que todos os outros determinantes da demanda sejam mantidos constantes.

Deslocamentos da curva de demanda

  • Na nossa derivação da curva de demanda, três fatores foram mantidos constantes:

    1. a renda do indivíduo.

    2. os preços dos outros bens.

    3. as preferências deste indivíduo.

  • Se qualquer um desses fatores for alterado, a curva de demanda será deslocada para uma nova posição.

  • Um aumento na renda deslocaria a curva de demanda para cima, no caso em que \(\partial x/\partial I > 0\).

  • Se tivermos uma alteração no preço de outro bem, \(p_y\) por exemplo, a curva de demanda pode se deslocar tanto para baixo quanto para cima, a depender de como os bens \(x\) e \(y\) estão relacionados.

  • Por fim, a curva de demanda também será deslocada se as preferências do indivíduo pelo bem \(x\) se alterarem.

Deslocamentos da curva de demanda

  • É importante notar que a curva de demanda é apenas uma representação gráfica bidimensional da verdadeira função de demanda, Equação 1 e que será estável apenas se os outros fatores forem mantidos constantes.

  • Outro ponto importante é a distinção entre deslocamento ao longo da curva de demanda (causado por variações em \(p_x\)) e deslocamento da curva de demanda (causado por variações na renda, preço de outros bens e/ou preferências).

  • Tradicionalmente, o termo aumento da demanda refere-se a deslocamentos para cima da curva de demanda.

  • Por sua vez, o termo aumento da quantidade demandada refere-se a movimentos ao longo da curva de demanda causados por uma queda em \(p_x\).

Demanda compensada (Hicksiana): funções e curvas

Curva de demanda compensada

  • Na Figura 1 o nível de utilidade do indivíduo variava ao longo da curva de demanda.

  • À medida que \(p_x\) decresce, o nível de utilidade aumenta de \(U_1\) para \(U_2\) e \(U_3\).

  • Isso acontece devido à hipótese de que a renda nominal e os preços dos outros bens são mantidos constantes.

  • Portanto, uma queda em \(p_x\) representa um ganho de satisfação (utilidade) para este indivíduo dado que seu poder de compra real aumenta.

Curva de demanda compensada

Figura 2: Curva de demanda compensada. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Curva de demanda compensada

  • A derivação da curva de demanda compensada é ilustrada pela Figura 2, onde a utilidade é mantida constante (em \(U_2\)) e o preço \(p_x\) é sucessivamente reduzido.

  • À medida que \(p_x\) decresce, a renda nominal do indivíduo também decresce e, portanto, impedindo aumentos no nível de utilidade.

  • Em outras palavras, os efeitos de uma variação de preços no poder de compra são compensados para restringir o indivíduo a manter o mesmo nível de utilidade \(U_2\).

  • Portanto, na curva de demanda compensada as reações a mudanças de preços incluem apenas o efeito substituição.

  • No caso de aumentos do preço \(p_x\), a compensação de renda seria positiva para manter o indivíduo sobre a mesma curva de indiferença \(U_2\).

  • Estes resultados são resumidos pela seguinte definição.

Curva de demanda compensada

Curva de demanda compensada

Uma curva de demanda compensada evidencia a relação entre o preço de um bem e a quantidade ótima consumida sob a hipótese de que os outros preços e a utilidade são mantidos constantes.

  • Portanto, a curva ilustra apenas o efeito substituição.

  • Matematicamente, a curva de demanda compensada é uma representação gráfica bidimensional da função de demanda compensada:

\[x^c = x^c(p_x, p_y, U) \qquad(2)\]

Figura 3: John Richard Hicks - Nobel de Economia em 1972.

Lema de Shephard

  • Muitos fatos acerca das funções de demanda compensada podem ser provadas utilizando um resultado da teoria da dualidade conhecido como lema de Shephard.

  • Considere o problema dual de minimização de dispêndio, cujo Lagrangeano associado é dado por:

\[\mathcal{L} = p_x x + p_y y + \mu[U(x,y) - \bar{U}]. \qquad(3)\]

  • A solução do problema dual de minimização de dispêndio ( Equação 3 ) nos dá a função dispêndio \(E(p_x, p_y, U)\).

  • Como a função dispêndio é uma função-valor, podemos aplicar o Teorema do Envelope.

Lema de Shephard

  • Portanto, aplicando o teorema do envelope com relação a \(p_x\), temos:

\[\frac{d E(p_x, p_y, U)}{d p_x} = \frac{\partial \mathcal{L}}{\partial p_x} = x^c(p_x, p_y, U). \qquad(4)\]

  • Ou seja, a função de demanda compensada de um bem pode ser obtida diferenciando a função dispêndio com relação ao preço deste bem.

  • A Equação 4 nos diz que variações no preço de um bem irão afetar os gastos mínimos deste indivíduo em uma proporção aproximadamente igual à quantidade demandada deste bem.

Lema de Shephard

  • Vimos anteriormente na disciplina que a função dispêndio \(E(p_x, p_y, U)\) é côncava nos preços. Matematicamente, isso quer dizer que: \[\frac{\partial^2 E(p_x, p_y, U)}{\partial p_x^2} < 0.\]

  • Pelo lema de Shephard podemos, então, calcular a inclinação da curva de demanda compensada: \[\frac{\partial^2 E(p_x, p_y, V)}{\partial p_x^2} = \frac{\partial x^c(p_x, p_y, V)}{\partial p_x} < 0. \qquad(5)\]

  • A Equação 5 nos diz que a curva de demanda compensada é, necessariamente, negativamente inclinada.

Lema de Shephard

  • A ambiguidade verificada no caso da curva de demanda Marshalliana não é observada neste caso.

  • Isso deve-se ao fato de que curvas de demanda compensada envolverem apenas os efeitos substituição e a hipótese de quase-concavidade assegura que a inclinação desta curva de demanda é sempre negativa.

Relação entre curvas de demanda compensada e não-compensada

Figura 4: Relação entre curvas de demanda compensada e não-compensada. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Relação entre as curvas de demanda compensada e não-compensada

  • Ao nível de preços \(p_x^{''}\) as curvas de demanda Hicksiana e Marshalliana se interceptam pois, a esse preço, a renda do indivíduo é aquela suficiente para atingir o nível de utilidade \(U_2\).

  • Portanto, uma quantidade \(x^{''}\) é demandada de acordo com os dois conceitos.

  • Para preços abaixo deste valor, o poder de compra deste indivíduo deve ser reduzido para que o mesmo nível de utilidade \(U_2\) seja atingido e, portanto, assumindo que \(x\) seja um bem normal, uma quantidade menor do bem \(x\) é demandada sob a ótica Hicksiana quando comparada à curva de demanda Marshalliana.

  • Por outro lado, para preços acima de \(p_x{''}\), a compensação de renda é positiva já que o indivíduo precisa de um poder de compra maior para atingir o mesmo nível de utilidade. Portanto, se \(x\) é um bem normal, uma quantidade maior de \(x\) é demandada ao longo de \(x^c\) do que ao longo da curva de demanda \(x\).

Relação entre as curvas de demanda compensada e não-compensada

  • De maneira geral, portanto, para bens normais a curva de demanda compensada é menos responsiva a variações de preços do que a curva de demanda não compensada.

  • Isto deve-se ao fato de que a curva de demanda Marshalliana reflete tanto o efeito substituição quanto o efeito renda a variações de preços, enquanto a demanda Hicksiana reflete apenas os efeitos substituição.

Exercício

Considere a seguinte função utilidade: \[U(x,y) = x^{0,5}y^{0,5}.\]

  1. Obtenha as funções demanda Marshallianas.

  2. Obtenha as funções demanda Hicksiana via lema de Shephard.

  3. Calcule as quantidades ótimas demandadas, sob as duas óticas, quando \(p_x = 1, p_y = 4, I = 8, U = 2\).

  4. Suponha que \(p_x\) aumente para 4, compare as demandas Hicksianas e Marshallianas neste caso.

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Análise formal da variação de preços

Abordagem Gráfica

Figura 5: Efeitos de uma redução em \(p_x\). Decomposição de Hicks. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Abordagem indireta

  • Nosso objetivo agora é desenvolver uma abordagem matemática mais formal para examinar a derivada parcial \(\partial x/\partial p_x\). Ou seja, como uma variação no preço de um bem afeta a quantidade adquirida deste mesmo bem, ceteris paribus, para a curva de demanda Marshalliana tradicional.

  • Aqui adotaremos uma abordagem indireta que está fundamentada no conceito de dualidade dos problemas de otimização. Fonte: A one line proof of the Slutsky equation, Phillip Cook.

Abordagem indireta

  • Por definição, sabemos que: \[x^c(p_x,p_y,U) = x[p_x,p_y,E(p_x,p_y,U)]. \qquad(6)\]

  • Vimos essa conclusão na Figura 4, que mostrou que a quantidade demandada é idêntica para as demandas Hicksianas e Marshallianas quando a renda é exatamente aquela suficiente para atingir o nível de utilidade requerido.

  • Portanto, temos que: \[\frac{\partial x^c}{\partial p_x} = \frac{\partial x}{\partial p_x} + \frac{\partial x}{\partial E} \frac{\partial E}{\partial p_x}.\]

  • Rearranjando os termos: \[\frac{\partial x}{\partial p_x} = \frac{\partial x^c}{\partial p_x} -\frac{\partial x}{\partial E} \frac{\partial E}{\partial p_x}. \qquad(7)\]

Efeito substituição

  • A Equação 7 nos mostra que nosso objeto de interesse, \(\partial x/\partial p_x\), pode ser decomposto em dois termos.

  • O primeiro termo, \(\partial x^c/\partial p_x\) nos dá a inclinação da curva de demanda compensada.

  • Essa inclinação representa movimentos ao longo de uma curva de indiferença o que é exatamente o que chamamos anteriormente de efeito substituição.

  • O primeiro termo do lado direito da Equação 7 é uma representação matemática deste efeito.

Efeito renda

  • O segundo termo da Equação 7, \(-\frac{\partial x}{\partial E} \frac{\partial E}{\partial p_x}\), reflete o modo com que variações em \(p_x\) afetam a demanda pelo bem \(x\) via mudanças no poder de compra do indivíduo.

  • Portanto, este termo representa o efeito renda.

  • O sinal negativo reflete a relação inversa entre mudanças nos preços e variações no poder de compra.

Equação de Slutsky

  • A relação representada pela Equação 7 foi originalmente derivada pelo economista e estatístico russo Eugen Slutsky no final do século XIX.

Equação de Slutsky

  • Primeiro, vamos reescrever o efeito substituição da seguinte forma: \[\text{efeito substituição} = \frac{\partial x^c}{\partial p_x} = \left. \frac{\partial x}{\partial p_x} \right|_{U = \text{constante}}, \qquad(8)\] para indicar movimentos ao longo da curva de indiferença.

  • Para o efeito renda, temos: \[\text{efeito renda} = -\frac{\partial x}{\partial E}\frac{\partial E}{\partial p_x} = -\frac{\partial x}{\partial I}\frac{\partial E}{\partial p_x}, \qquad(9)\] dado que mudanças na renda \(I\) ou nos gastos \(E\) são idênticas para a função \(x(p_x,p_y,I)\).

  • Pelo Lema de Shephard temos, então: \[\text{efeito renda} = -x^c\frac{\partial x}{\partial I}.\]

Equação de Slutsky

  • Portanto, podemos escrever a equação de Slutsky da seguinte forma: \[\begin{aligned} \frac{\partial x(p_x,p_y,I)}{\partial p_x} &=& \text{efeito substituição} + \text{efeito renda} \nonumber \\ &=& \left. \frac{\partial x}{\partial p_x} \right|_{U = \text{constante}} - x\frac{\partial x}{\partial I}, \end{aligned} \qquad(10)\] onde usamos o fato de que \(x(p_x,p_y,I) = x^c(p_x,p_y,V)\) avaliados no ponto de máximo.

  • A equação de Slutsky ( Equação 10 ) possibilita um tratamento mais definitivo acerca da direção e magnitude dos efeitos renda e substituição.

Equação de Slutsky

  1. O efeito substituição (e a inclinação da curva de demanda compensada) é sempre negativo. Este resultado deriva diretamente da quase-concavidade das funções utilidades (TMS decrescente) e da concavidade da função dispêndio.

  2. O sinal do efeito renda depende do sinal do termo \(\partial x/\partial I\). Se \(x\) é um bem normal, então, este termo é positivo e o efeito renda é negativo. Neste caso, então, preço e quantidade sempre se movem em direções opostas. Se \(x\) é um bem inferior, então \(\partial x/\partial I<0\) e os dois termos da equação de Slutsky possuem sinais distintos. Neste caso, o efeito total de uma variação nos preços é ambíguo - tudo depende das magnitudes relativas de ambos os efeitos. É possível, teoricamente, que, no caso de bens inferiores, o efeito renda domine o efeito substituição, levando ao paradoxo de Giffen (\(\partial x/\partial p_x > 0\)).

Exercício

No exercício anterior, para o caso de uma função utilidade do tipo Cobb-Douglas, vimos que a demanda Marshalliana para o bem \(x\) era: \[x(p_x,p_y,I) = \frac{0,5I}{p_x},\] e a demanda compensada era: \[x^c(p_x,p_y,U) = p_x^{-0,5}p_y^{0,5}U.\]

Mostre que o efeito total de uma variação de preços sobre a demanda Marshalliana é igual à soma dos dois componentes da equação de Slutsky.

Solução

  • \(\frac{\partial x}{\partial p_x}= -\frac{0,5 I}{p_x^2}\) Encontrar este valor através da decomposição de efeito substituição + efeito renda.

  • Efeito Substituição: \(\frac{\partial x^c}{\partial p_x} = -0,5 p_x^{-1,5}p_y^{0,5}U\)

    • Substituir \(U\) por \(V=\frac{0,5 I}{\sqrt{p_xp_y}}\) (utilidade indireta)
    • Efeito Substituição: \(-\frac{0,25I}{p_x^2}\)
  • Efeito Renda: \(-x\frac{\partial x}{\partial I} = -\frac{0,5I}{p_x}\frac{0,5}{p_x} = -\frac{0,25I}{p_x^2}\)

  • Logo, efeito substituição + efeito renda = \(-\frac{0,5I}{p_x^2}\)

Apêndice: Teorema do envelope

Teorema do envelope

Teorema 1 (Envelope) Seja \(y^* = f(x_1^*, \dots, x_n^*; a)\) a função valor de \(x\) que maximiza a função objetivo sujeito à restrição.

Se a função valor \(y^*\) e os valores ótimos de \(x^*\) são diferenciáveis, então: \[\frac{\partial y^*}{\partial a} = \frac{\partial \mathcal{L}}{\partial a}(x_1^*, \dots, x_n^*; a).\]

📚 Bibliografia

NICHOLSON, W.; SNYDER C. Teoria microeconômica: Princípios básicos e aplicações. Cengage Learning Brasil, 2019. Disponível em: app.minhabiblioteca.com.br/books/9788522127030

VARIAN, H. R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Disponível em: app.minhabiblioteca.com.br/books/9788595155107