Efeitos renda e substituição

Rafael Bressan

Funções demanda

Funções demanda Marshallianas

  • Como vimos na disciplina, até agora, geralmente será possível solucionar as condições necessárias de primeira ordem de um problema de maximização de utilidade para os níveis ótimos de \(x_1, x_2, \dots, x_n\) (e para o multiplicador de Lagrange, \(\lambda\)) como funções dos preços e da renda.

  • Matematicamente, essa solução pode ser expressa por um sistema de \(n\) funções de demanda Marshallianas da forma:

\[\begin{aligned} x_1^* &=& x_1(p_1, p_2, \dots, p_n, I), \nonumber \\ x_2^* &=& x_2(p_1, p_2, \dots, p_n, I), \nonumber \\ &\vdots& \nonumber \\ x_n^* &=& x_n(p_1, p_2, \dots, p_n, I). \end{aligned} \qquad(1)\]

Funções demanda Marshallianas

  • Uma vez conhecidos todos os preços, a renda e a forma funcional dessas funções demanda, é possível fazer “predições” do quanto de cada bem este consumidor irá consumir.

  • A notação na Equação 1 evidencia que os preços e a renda são variáveis exógenas, ou seja, são os parâmetros aos quais o consumidor não tem nenhum controle nesse estágio da análise.

  • Mudanças nesses parâmetros irão deslocar a restrição orçamentária e, consequentemente, alterar as escolhas ótimas deste indivíduo.

  • Nosso objetivo agora é estudar exatamente essas questões. Especificamente, \(\partial x/\partial I\) e \(\partial x/\partial p_x\) para um bem arbitrário \(x\).

  • Mais tarde na disciplina estudaremos o efeito-preço cruzado \(\partial x/\partial p_y\) para um par de bens arbitrário \(x\) e \(y\).

Homogeneidade

  • As funções demanda são homogêneas de grau zero em todos os preços e renda.

  • Portanto, variações nos preços e renda na mesma proporção não afetam as quantidades físicas dos bens demandados.

  • Matematicamente, temos: \[x_i^* = x_i(p_1, p_2, \dots, p_n, I) = x_i(tp_1, tp_2, \dots, tp_n, tI), \qquad \forall t>0.\]

  • Este resultado mostra que, em teoria, as demandas individuais não serão afetadas por um evento de inflação pura.

  • No caso de um processo inflacionário que não seja puro (i.e., se alguns preços aumentam mais rapidamente que outros) este não seria o caso.

Homogeneidade

  • Homogeneidade de grau zero das funções demanda é um resultado direto da hipótese de maximização de utilidade.

  • Funções demanda derivadas do problema de maximização de utilidade serão homogêneas.

  • Por sua vez, funções demanda que não sejam homogêneas não podem refletir maximização de utilidade - a não ser que os preços entrem diretamente na função utilidade do indivíduo (e.g., bens que apresentem o “efeito esnobe”).

Exemplos

Mostre que as funções demanda associadas à função utilidade do tipo Cobb-Douglas: \[U(x,y) = x^{0,3}y^{0,7},\] são homogêneas de grau 0.

Solução

As demandas de uma função Cobb-Douglas são dadas por:

  • \(x^* = \frac{0,3I}{p_x}\)
  • \(y^* = \frac{0,7I}{p_y}\)

Logo, temos por exemplo que: \(x(tp_x, tp_y, tI)=\frac{0,3tI}{t p_x}=x^*\)

Exemplos

Mostre que as funções demanda associadas à função utilidade do tipo CES: \[U(x,y) = \left(x^{0,5} + y^{0,5}\right)^2,\] são homogêneas de grau 0.

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  • Sorteio de um aluno(a) para apresentar este exercício na próxima aula.

Variações na renda

Efeitos de variações na renda

  • À medida que o poder de compra de um indivíduo aumenta, é natural que a quantidade consumida de cada bem também aumente.

Figura 1: Efeito de um aumento na renda. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Efeitos de variações na renda

  • A Figura 1 ilustra o efeito de um aumento na renda sobre as quantidades ótimas consumidas dos bens \(x\) e \(y\).

  • À medida que a renda (poder de compra) aumenta de \(I_1\) para \(I_2\) e \(I_3\), a quantidade demandada do bem \(x\) (\(y\)) aumenta de \(x_1\) para \(x_2\) para \(x_3\) (\(y_1\) para \(y_2\) para \(y_3\)).

  • Note que as retas orçamentárias \(I_1\), \(I_2\) e \(I_3\) são paralelas, mostrando que apenas a renda está variando, e não os preços relativos de \(x\) e \(y\).

  • Se conectarmos as cestas de consumo ótimas para cada nível de renda, obtemos a chamada curva de renda-consumo.

  • Já a curva de Engel mostra a demanda de um bem em função da renda, mantendo os preços constantes.

  • Dado que a razão de preços relativos \(p_x/p_y\) permanece constante, a TMS é a mesma nos pontos \((x_1,y_1)\), \((x_2, y_2)\) e \((x_3, y_3)\).

Bens normais e bens inferiores

  • Na Figura 1 temos um caso em que as quantidades demandadas de \(x\) e \(y\) aumentam com o aumento na renda - \(\partial x/\partial I, \partial y/\partial I > 0.\)

  • Essa é considerada a situação usual e bens que exibem essa propriedade são denominados bens normais sobre o intervalo de variação de renda observada.

  • No entanto, para alguns bens, a quantidade ótima demandada pode decrescer quando a renda aumenta em alguns intervalos.

  • Um bem \(z\) para o qual temos que \(\partial z/\partial I<0\) é denominado um bem inferior.

Bens normais e bens inferiores

Figura 2: Curva de indiferença exibindo inferioridade. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Bens normais e bens inferiores

  • Na Figura 2, o bem \(z\) é inferior pois sua quantidade demandada decresce à medida que a renda aumenta.

  • Note que as curvas de indiferença não precisam apresentar um formato “estranho” para exibir inferioridade.

  • As curvas de indiferença correspondentes aos bens \(y\) e \(z\) continuam a apresentar uma TMS decrescente.

  • O bem \(z\) é inferior em função da forma como se relaciona com os outros bens disponíveis, e não por causa de uma peculiaridade exclusiva a ele.

Bens normais e bens inferiores

Bens normais e bens inferiores

Um bem \(x_i\) para o qual \(\partial x_i/\partial I < 0\) sobre algum intervalo de variação da renda é denominado um bem inferior nesse intervalo.

Um bem \(x_i\) para o qual \(\partial x_i/\partial I \geq 0\) sobre algum intervalo de variação da renda é denominado um bem normal (ou não-inferior) nesse intervalo.

Variações no preço de um bem

Variações no preço de um bem

  • O efeito de uma variação no preço de um bem é mais complexo de ser analisado do que efeitos na variação da renda.

  • Isso porque, geometricamente, uma mudança de preços não só altera os interceptos da restrição orçamentária mas, também, sua inclinação.

  • Consequentemente, a nova escolha ótima derivada do problema de maximização de utilidade envolve não apenas a mudança para uma nova curva de indiferença mas, também, alterações em sua TMS.

Efeitos de uma redução no preço

Efeitos de uma redução no preço

Figura 3: Efeitos de uma redução em \(p_x\). Decomposição de Hicks. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Efeitos de uma redução no preço

  • Inicialmente, o ponto que maximiza utilidade dada a restrição orçamentária é dado por \((x^*,y^*).\)

  • A restrição orçamentária inicial é \(I = p_x^1x + p_yy\). Após uma redução no preço do bem \(x\), a nova restrição orçamentária é dada por \(I = p_x^2x+p_yy\).

  • Ao novo nível de preços, o ponto que maximiza utilidade é dado por \((x^{**}, y^{**})\), onde a nova restrição orçamentária é tangente à curva de indiferença \(U_2\).

  • O movimento para este novo ponto ótimo pode ser analiticamente decomposto em dois efeitos.

Efeitos de uma redução no preço

  1. Efeito substituição: a mudança na inclinação da restrição orçamentária motivaria uma mudança para o ponto \(B\). Se mantivermos, conceitualmente, a renda real (i.e., utilidade) constante - ou seja, mesma curva de indiferença - um preço relativo mais baixo do bem \(x\) causa a escolha ótima deste consumidor a se alterar de \((x^*,y^*)\) para o ponto \(B\).

  2. Efeito renda: O deslocamento adicional do ponto \(B\) para o ponto \((x^{**}, y^{**})\) é analiticamente idêntico ao que vimos antes sobre mudanças na renda. Como o preço do bem \(x\) caiu, esse indivíduo dispõe de uma renda “real” mais alta e, portanto, pode atingir um nível de utilidade mais alta (\(U_2\)). Se \(x\) é um bem normal, sua demanda aumentará em resposta ao aumento no poder de compra deste consumidor.

Efeitos de uma redução no preço

  • De maneira geral, o resultado de uma redução no preço do bem \(x\) é um aumento na demanda deste bem.

  • Em termos práticos, este argumento “sequencial” não é observado. O ponto \(B\) nunca é observado, apenas as duas opções ótimas são refletidas no comportamento observável.

  • No entanto, a noção dos efeitos substituição e renda é analiticamente valioso já que mostra que uma mudança de preços afeta a quantidade demandada de \(x\) de duas maneiras conceitualmente distintas.

  • Isso terá um papel fundamental no nosso estudo sobre a teoria da demanda.

Efeitos de um aumento no preço

Figura 4: Efeitos de um aumento em \(p_x\). Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

Efeitos de um aumento no preço

  • Neste caso, a restrição orçamentária se desloca para dentro, refletindo o aumento no preço do bem \(x\) de \(p_x^1\) para \(p_x^2\).

  • Novamente, o movimento do ponto inicial de maximização de utilidade \((x^*,y^*)\) para o novo ponto \((x^{**}, y^{**})\) também pode ser decomposto em dois efeitos.

    1. Efeito substituição: Mesmo que este indivíduo pudesse permanecer na mesma curva de indiferença (\(U_2)\), ainda há um incentivo para substituir bem \(y\) por \(x\) e mover ao longo de \(U_2\) para o ponto \(B\).

    2. Efeito renda: No entanto, como o poder de compra deste consumidor foi reduzido pelo aumento no preço do bem \(x\), deverá haver um deslocamento para um nível mais baixo de utilidade (\(U_1\)).

  • Note que, neste caso, os efeitos substituição e renda movem na mesma direção, fazendo com que a quantidade demandada de \(x\) diminua em resposta a um aumento no seu preço.

  • A lei da demanda. Se a demanda de um bem aumenta quando a renda aumenta, a demanda desse bem tem de diminuir quando o preço subir.

Efeitos de variações nos preços para bens inferiores

  • Nos casos que vimos até agora, os efeitos renda e substituição tendem a reforçar um ao outro.

  • Para uma redução nos preços, ambos fazem com que uma quantidade maior do bem seja demandada.

  • Já para um aumento nos preços, ambos fazem com que uma quantidade menor do bem seja demandada.

  • Esta análise é válida para o caso de bens normais (não-inferiores). No entanto, a possibilidade de bens inferiores complica a análise.

  • Neste caso, os efeitos renda e substituição funcionam em direções contrárias e, consequentemente, o efeito total de uma variação de preços é indeterminado.

Efeitos de variações nos preços para bens inferiores

  • Uma redução nos preços, por exemplo, sempre fará com que um indivíduo consuma mais de um bem por causa do efeito substituição.

  • No entanto, se o bem for inferior, o aumento no poder de compra causado pela redução de preços pode fazer com que haja uma redução na demanda por este bem.

  • Portanto, o resultado é indeterminado.

  • O efeito substituição tende a aumentar a quantidade demandada do bem inferior, enquanto o efeito renda tende a reduzir esta quantidade.

  • Em contraste com a situação de bens normais, neste caso não é possível fazer predições acerca da direção do efeito total de uma mudança em \(p_x\) sobre a quantidade ótima consumida de \(x\).

Paradoxo de Giffen

  • Se o efeito renda de uma variação de preços for forte o suficiente, a mudança nos preços e a mudança resultante na quantidade demandada podem ocorrer na mesma direção.

  • Este resultado, conhecido como paradoxo de Giffen, foi observado pelo economista inglês Robert Giffen no século XIX na Irlanda.

Figura 5: Sir. Robert Giffen (1837-1910). Fonte: The history of economic thought website.

Paradoxo de Giffen

  • Na Irlanda do século XIX, frente a um aumento no preço das 🥔, reportou-se um aumento no consumo deste bem.

  • Este resultado peculiar pode ser explicado pela magnitude do efeito renda associado a um aumento nos preços das batatas.

  • As batatas, além de serem bens inferiores, também representavam uma parcela grande da renda dos irlandeses.

  • Portanto, um aumento no preço da batata reduziria substancialmente a renda real dos consumidores.

  • Os irlandeses seriam, então, forçados a reduzir o consumo de outros bens alimentícios considerados de luxo para adquirirem mais batatas.

Paradoxo de Giffen

  • Mesmo que essa interpretação dos eventos seja historicamente improvável, a possibilidade de um aumento na quantidade demandada em resposta a um aumento no preço de um bem passou a ser conhecida como paradoxo de Giffen.

  • O principal problema com essa interpretação dos eventos é que desconsidera a observação de Marshall de que tanto fatores de oferta quanto de demanda devem ser considerados na análise de variações de preços.

  • Se os preços das batatas subiram devido à crise na Irlanda, neste caso, a oferta também seria reduzida. Portanto, como seria possível um aumento na quantidade consumida?

  • Além disso, dado que muitos irlandeses eram produtores de batatas, o aumento no preço da batata significaria um aumento da renda real.

  • Referência: Robert Giffen and the Irish potato.

Resumo

  • Efeitos renda e substituição. A hipótese de maximização de utilidade sugere que, para bens normais, um aumento no preço de um bem leva a uma redução em sua quantidade consumida dado que:

    1. o efeito subsituição faz com que uma quantidade menor seja consumida à medida que o indivíduo se move ao longo de uma curva de indiferença.

    2. o efeito renda faz com que uma quantidade menor seja consumida dado que o aumento no preço reduz o poder de compra do consumidor.

  • Por fim, para o caso de bens inferiores, os efeitos renda e substituição operam em direções opostas e o efeito total é indeterminado.

Efeitos de uma redução em \(p_x\). Decomposição de Hicks. Fonte: Nicholson e Snyder (2019).

📚 Bibliografia

NICHOLSON, W.; SNYDER C. Teoria microeconômica: Princípios básicos e aplicações. Cengage Learning Brasil, 2019. Disponível em: app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522127030

VARIAN, H. R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Disponível em: app.minhabiblioteca.com.br/books/9788595155107